tempo

Catavento

Na escuridão o pensamento ecoa tanto que se torna ensurdecedor, pensou o Catavento.

Desde que aquele rigoroso inverno começou, um bom tempo atrás, Catavento não mais havia visto as cores. Muito menos o vento. Trancado naquela gaveta, enquanto o tempo se fazia de estátua, não podia mover-se.

Pensava nos outros. Estariam na mesma situação que ele? Se não, por que ele? O que ele fez de errado? Deveria ser simples, o vento sopra e o Catavento gira, certo?

Quem te sopra, Catavento?

Se lembra bem da última vez. Aquele vento era manso, constante, carinhoso. Soprava de todos os lados e amava a todos, de modo que todos o apreciavam também.

Mas houve dias em que choveu, muito, e nesses dias o vento ficava mudo.

E o silêncio fez com que o Catavento desejasse outros ventos.

E perdeu-se.

Perdeu-se na inocência que excita, na certeza que mente, na estrada que leva ao palácio dos prazeres eternos.

Onde nunca se chega.

Até que um dia, à beira de um lago, enquanto a brisa tentava lhe adoçar a razão, Catavento viu seu reflexo na água.

Onde estariam suas cores, seus contornos, seus amores, seus adornos?

Onde estariam seus sonhos?

Quem te sopra, Catavento?

No escuro, o Catavento escuta um som diferente.

Parece que tem algo batendo, é o som de uma janela batendo, é…

Um vento tentando abrir a janela!

Cada batida é como um chamado, seu nome ouvido no ranger das fibras, vem, Catavento, vem!

Não sabia como interpretar aquilo. Quem era? Por que agora?

Olhou pro tempo, que tentava disfarçar um sorriso. Catavento entendeu que não havia o que entender.

E Catavento foi.

E nas rotações que se seguiram, seus tons acinzentados e pálidos deram lugar a novas paletas de cores. Muitos ventos sopraram, uns generosos como colo de mãe, outros revoltos como ondas do mar. Mas todos eles tinham um propósito, uma missão, e Catavento compreendia.

E assim Catavento seguia girando, passando o passado para trás, quando foi tomado de súbito por um vendaval. Um vendaval não, um tornado. Um tornado não, um furacão.

Catavento não sabia como agir, o que pensar, como sentir.

Arrastado por aquela força devastadora, apenas mergulhou nas trevas e se deixou levar.

Sua consciência rodopiava em torno de uma espiral de medo, excitação, angústia, sonho e também realidade. Fora tomado por uma tempestade de areia do tempo, onde cada volta trazia uma cena de sua viagem existencial.

Seria este seu destino final?

O furacão passou.

Onde estou? Eu me sinto… nas nuvens! – pensou.

Catavento despertou.

Então viu.

Que ali ele podia ter o mundo.

Que dali ele podia ver a vida.

Mas e agora?

Quem te sopra, Catavento?

Ora, quem me sopra não é o vento.

Mas o tempo.